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    Vijay Prashad

    Historiador, editor e jornalista indiano. Escritor e correspondente-chefe da Globetrotter. Editor da LeftWord Books e diretor do Tricontinental: Institute for Social Research.

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    As nações mais pobres podem romper o ciclo de dependência?

    A raiz do subdesenvolvimento não se encontra no atraso industrial de cada economia

    (Foto: ABr)

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    Artigo de Vijay Prashad publicado originalmente no website Tricontinental em 10.08.23. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil247.

    No final de julho, eu visitei dois assentamentos do Movimento de Trabalhadores sem Terra (MST) nos arredores de São Paulo (Brasil). Cada um dos assentamentos leva o nome de duas bravas mulheres, a parlamentar brasileira Marielle Franco – que foi assassinada em 2018 – e a Irmã Alberta – uma freira católica que morreu em 2018. As terras nas quais o MST construiu o acampamento Marielle Vive e a Comuna Agrária Irmã Alberta haviam sido planejadas para conter um condomínio fechado, com um campo de golfe, e um aterro de lixo, respectivamente. Baseando-se nas obrigações de uso social da terra inscritas na Constituição Brasileira de 1988, o MST mobilizou trabalhadores sem terra para ocuparem estas áreas, construírem as suas casas, escolas e cozinhas comunitárias, e cultivar alimentos orgânicos.

    Cada um destes assentamentos do MST é um farol de esperança para as pessoas comuns que, de outra maneira, são ensinados a sentirem-se redundantes dentro das estruturas neocoloniais do capitalismo contemporâneo. O MST tem estado sob ataques coordenados nos legislativos brasileiros, impulsionados pelas pautas das elites dos agro-negócios que querem evitar que 500 mil famílias construam uma alternativa tangível para a classe trabalhadora e o campesinato. 'Quando a elite vê a terra, eles vêem dinheiro', me disse Wilson Lopes, do MST, no Marielle Vive. 'Quando nós vemos a terra', disse ele, 'nós vemos o futuro do povo'.

    Frequentemente, torna-se impossível imaginar o futuro para as pessoas em grande parte do planeta. Os índices de fome aumentam e aqueles que conseguem ter acesso a alimentos frequentemente só são capazes de comer de maneira não-saudavelmente; famílias camponesas, como as dos assentamentos do MST, provêm mais de um terço da comida no mundo (mais de 80% em termos de valores) e, no entanto, é quase impossível que eles tenham acesso a insumos agrícolas, na sua maior parte a água, e créditos razoáveis. O MST é o maior produtor de arroz orgânico na América Latina. As pressões das instituições de Bretton Woods (O FMI e o Banco Mundial), bem como dos bancos comerciais e as agências de desenvolvimento, forçam os países a adotarem 'políticas de modernização' que são contrárias aos fatos. Como nós mostramos no dossier nº 66, estas 'políticas de modernização' foram delineadas nos anos de 1950, sem uma avaliação precisa das estruturas neocoloniais globais: eles assumiram que, se os países tomaram dinheiro emprestado, fortaleceram o seu setor de exportação de commodities e importaram bens manufaturados do Ocidente, então eles seriam capazes de se 'modernizar'.

    Enquanto caminhávamos pelo assentamento do MST, as residentes Cintia Zaparoli, Dieny Silva e Raimunda de Jesus Santos nos contaram sobre como a comunidade lutou para ter acesso à eletricidade e à água – bens sociais que não são facilmente produzidos sem intervenções de larga escala. Para contextualizar: dois bilhões de pessoas em todo o mundo não têm acesso fácil à água potável segura. Nenhum destes bens sociais podem ser conjurados do ar; eles requerem instituições complexas e, no nosso mundo moderno, a mais importante destas instituições é o estado. Mas a maior parte dos estados são restringidos de agir em benefício da sua cidadania devido a pressões externas que impedem as políticas econômicas que beneficiariam a sociedade, em benefício do capital privado e ricos portadores de títulos financeiros, que são os primeiros da fila para extrair as imensas riquezas sociais produzidas nas nações mais pobres.

    Nenhum destes problemas é novo. Para a América Latina, a asfixia contemporária dos projetos estatais que visam elevar as condições sociais das pessoas podem remontar à Conferência de Chapultepec de 1945, realizada na Cidade do México. O ministro de relações exteriores do México, Ezequiel Padilla, disse na conferência que era 'vital que os americanos [o hemisfério todo] fizessem mais do que produzir matérias-primas e viverem num estado de semi-colonialismo'. Esta visão era que deve ser permitido àqueles que vivem no hemisfério usem todas as ferramentas necessárias – incluindo tarifas e subsídios – para construir indústrias na região. O secretário de estado dos EUA, Dean Acheson, ficou horrorizado com esta atitude e disse à delegação venezuelana que ela tinha sido uma declaração 'míope … aumentando tarifas e restringindo o comércio com importação e aplicando outros controles após a Segunda Guerra Mundial e a depressão do início dos anos de 1930'. Os EUA propuseram uma resolução para fazer todos os estados latinoamericanos 'a trabalharem pela eliminação do nacionalismo econômico em todas as suas formas', incluindo o exercício da soberania econômica contra as vantagens asseguradas pelas corporações multinacionais. Esta pauta afirmava que os primeiros beneficiários dos recursos de um país deveriam ser os investidores estadunidenses.

    Uma importante linha de pensamento, conhecida agora como a 'teoria da dependência', foi desenvolvida em seguimento à Conferência de Chapultepec. Ela descreve um cenário neocolonial, no qual o desenvolvimento capitalista nos países 'periféricos' não pode ocorrer, já que a sua produção econômica é estruturada para beneficiar os países 'centrais', criando uma situação que André Gunder Frank chamou de 'desenvolvimento do subdesenvolvimento'. Nosso dossier nº 67 – Dependency and Super-Exploitation: The Relationship Between Foreign Capital and Social Struggles in Latin America (agosto de 2023) [Dependência e superexploração: a relação entre o capital estrangeiro e as lutas sociais na América Latina] – usa o centenário de um dos mais importantes intelectuais marxistas do Brasil, Ruy Mauro Marini (1932-1997), para delinear uma visão marxista adequada do Terceiro Mundo para esta tradição da 'teoria da dependência' para os tempos atuais. O texto foi desenvolvido pelo escritório brasileiro do Tricontinental: Instituto para a Pesquisa Social, em colaboração com a Professora Renata Couto Moreira, do Grupo de Pesquisa sobre Estudos Marxistas da Teoria da Dependência na América Latina – Coletivo Anatália Melo da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

    A nossa avaliação-chave se encontra nestas frases:

    A raiz do subdesenvolvimento não se encontra no atraso industrial de cada economia, mas no processo histórico e na maneira pela qual os países da América Latina foram incorporadas ao mercado mundial através da colonização europeia e, depois, pela relações internacionais às quais estes países foram sujeitos, que foram perpetuadas após as suas independências políticas por meio da dependência econômica sobre os ditames da divisão de trabalho no capitalismo global.

    Países da América Latina, porém também da África e da Ásia, emergiram na era pós-Segunda Guerra Mundial como apêndices de um sistema mundial que eles não foram capazes de definir, nem de controlar. Assim como na era do alto colonialismo, matérias-primas não-processadas eram exportadas destes países para ganharem moedas estrangeiras valiosas, as quais eram usadas para comprar produtos manufaturados e energia caros. O câmbio desigual que ocorreu permitiu a quase-permanente deterioração dos 'termos de comércio', como Raúl Prebisch e Hans Singer demonstraram nos anos de 1940 e que foram reafirmados nos anos de 2000. A estrutura de desigualdade foi baseada não só nos termos de comércio, como Prebisch e os estudiosos da dependência mais liberais entendiam, mas, importante, nas relações sociais globais de produção.

    Nas zonas do Sul, os salários são mantidos baixos através de uma ampla variedade de mecanismos, como é mostrado no relatório da Organização Internacional do Trabalho [ILO – International Labour Organisation] de 2012. As razões dadas para os salários desiguais em todas as fronteiras internacionais são frequentemente racistas, sendo apresentado o argumento de que um trabalhador na Índia, por exemplo, não tem as mesmas expectativas de vida como um trabalhador na Alemanha. Se os trabalhadores no Sul são pagos menos, isto não significa que eles não trabalham duro (mesmo que os seus índices de produtividade sejam mais baixos devido à menor mecanização e os mecanismos de disciplina do trabalho que permitem aos países mais ricos manterem padrões morais altos, enquanto que dependem das condições brutais de trabalho que produzem relações sociais tóxicas nas nações mais pobres. A nossa observação no dossier é clara:

    A superexploração do trabalho se refere à exploração intensificada da força de trabalho, resultando na extração de uma mais-valia que excede os limites historicamente estabelecidos nos países centrais. Isto torna-se uma característica fundamental do sistema capitalista nas economias subdesenvolvidas, uma vez que o capital estrangeiro e as classes dominantes locais se beneficiam dos baixos salários dos trabalhadores e das precárias condições de trabalho, bem como da ausência de direitos trabalhistas – maximizando, assim, os seus lucros e a acumulação de capital. Isto contribui para a reprodução da dependência e subordinação destes países enquanto parte da ordem internacional.

    Nós argumentamos que o ciclo de dependência deve ser rompido por duas operações simultâneas e necessárias: a construção de um setor industrial através da intervenção ativa do estado, e a construção de fortes movimentos das classes trabalhadoras para desafiar as relações sociais de produção que dependem da superexploração do trabalho nas regiões mais pobres.

    Em 1965, um ano após o golpe de estado apoiado pelos EUA no Brasil e durante o golpe iniciado pelos EUA na Indonésia, o presidente de Gana, Kwame Nkrumah (1909-1972) publicou o seu monumental livro 'Neocolonialism: The Last Stage of Imperialism' [Neocolonialismo: o último estágio do imperialismo]. No seu livro, Nkrumah argumenta que as novas nações que derivaram do colonialismo permaneceram presas à estrutura neocolonial da economia mundial. Os governos de lugares como Gana, que haviam sido empobrecidos pelo colonialismo, tiveram que mendigar por crédito dos seus antigos colonizadores e a 'um consórcio de interesses econômicos' para conduzirem as funções básicas de governo, sem mencionar o avanço das necessidades sociais das suas populações. Ele argumentava que os credores 'tinham o hábito de forçar os futuros mutuários a se submeterem a várias condições ofensivas – como fornecerem informações sobre as suas economias, submeterem as suas políticas e planos à revisão do Banco Mundial e a aceitarem a supervisão da agência sobre os seus empréstimos'. Esta intervenção, aprofundada pelo Programa de Ajustes Estruturais do FMI, simplesmente não deixava espaço para manobras.

    O livro Neocolonialismo foi amplamente revisto, incluindo um memorando de 8 de novembro de 1965 escrito por Richard Helms, vice-diretor da CIA. Helms se ofendeu com o ataque direto do livro ao imperialismo. Em fevereiro de 1966, Nkrumah foi derrubado do governo por um golpe de estado encorajado pelos EUA. Este é o preço a ser pago por revelar ao mundo a estrutura neocolonial e por lutar por transformações estruturais. Este é um preço que o Ocidente quer impor ao povo do Níger, que decidiu que não é benéfico permitir que a sua riqueza seja sugada pelos franceses e que os EUA tenham uma presença militar importante no seu país. Será que os povos do Níger e do Sahel, em geral, conseguem romper o ciclo de dependência que criou o seu sofrimento durante mais de cem anos?

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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